João Figueira ensina na Universidade de Coimbra aquilo que aprendeu ao longo de mais de 20 anos de carreira jornalística, carreira essa que abandonou em 2006, talvez por lhe terem exigido polivalência a mais para o seu gosto. Macau foi a cidade onde chefiou as redações dos jornais para os quais trabalhou entre 1988 e 1992 e onde, ao mesmo tempo, dava as últimas da região Ásia-Pacífico ao Diário de Notícias. Hoje vive arreliado com “essa fantochada a que chamam cidadão jornalista” e confessa que não se espantará se o jornalismo deixar de ser uma profissão como hoje a conhecemos. João Figueira dá-me aulas na licenciatura de Jornalismo da Faculdade de Letras, precisamente onde foi gravada esta entrevista.
É mais importante dar melhor ou dar primeiro?
Eu sempre achei que o mais importante é dar melhor. Creio
que o Kapuscinski e o Camus diziam que é preferível ser o segundo a dar melhor
do que o primeiro a dar pior ou a dar erradamente a notícia, também sempre
achei que era melhor isso porque quando nós falamos de informação falamos de
credibilidade, falamos de fiabilidade. É muito melhor dar as coisas
confirmadíssimas e corretamente dadas do que estarmos com a pressa. Quem dá as
notícias parte do principio, errado, digo eu, que o destinatário, ou seja a sua
audiência, os seus públicos, estão ansiosamente a espera da notícia. Não estão
ansiosamente à espera de nada. O dar primeiro não significa que do ponto de
vista do seu público ele tenha sabido por essa via, se calhar soube pela pessoa
que deu em segundo lugar.
A concorrência é uma desculpa.
Para o mau jornalismo?
Para tudo. A concorrência é uma desculpa e eu vou dar-lhe
exemplos que não têm nada a ver com o jornalismo: as empresas petrolíferas, falava-se
que com a liberalização dos preços da gasolina o consumidor é que ia ser
beneficiado, foi? Não estou a ver em que. Com a privatização das televisões
dizia-se que o consumidor ia ser beneficiado porque a fasquia em termos de
qualidade ia ser mais elevada, foi isso que se verificou? Não foi. Ou seja a
ideia de que a concorrência é sempre benéfica é um mito que também convém irmos
desconstruindo. Quando se fala do jornalismo, em termos de concorrência, é
novamente uma falácia, porque qual é o ADN do jornalismo? É dar melhor ou fazer
melhor? E esta é que é a questão fundamental e iludir esta questão é ir ao
arrepio dos critérios fundamentais do jornalismo.
Mas se estamos a partir do ponto errado, de que as pessoas
não estão ansiosas para receber uma informação e de que a concorrência é uma
desculpa, porque é que os órgãos de comunicação social estão a caminhar nesse
sentido? Começaram por dar no computador, agora dão no telemóvel, qualquer
pessoa recebe uma informação em qualquer lado...
É verdade, o que me está a dizer é que a tecnologia hoje
permite tudo. De facto a tecnologia permite tudo mas o dia não deixou de ter 24
horas, as pessoas não deixaram de ter dois olhos, nem dois ouvidos...
Mas deixaram de receber informações apenas uma vez por
dia...
Sim, mas isso já tinham deixado há muito tempo e mesmo
quando deixaram de receber informações uma vez por dia passaram a receber a
mesma informação repetida até à exaustão, várias vezes ao dia, porque foi isso
que a tecnologia permitiu. Ok, a tecnologia permitiu também melhorar as
comunicações à distância, com certeza que sim, o direto, já não é novo, mas as
transmissões via satélite, o cabo, tudo isso permitiu que pudéssemos ter a
sensação de que estamos a acompanhar os acontecimentos em direto: é também
apenas e só uma sensação, é uma ideia um bocado errada porque o ver tudo não é
perceber tudo e a informação radica precisamente nesse conceito que é o
perceber e não apenas e só o ver. É o perceber, o entender, o ter a informação
toda, enquadrada, em prespetiva, e isso é que é fundamental.
[irónico] Eu espero ansiosamente que eles se transformem num
produto gourmet e que até depois possam ir ao forno, para mim seria excelente. Não
tenho a menor dúvida, tirando o caso dos títulos populares, que a imprensa em
papel começa a ser já uma imprensa para minorias. Nos Estados Unidos – às vezes
convém ir a outros sítios para ver onde acontecem as tendências porque passados
meia dúzia de anos vem cá a verificar-se – há grandes cidades, e falo de
cidades capitais de estado, onde não existem jornais diários. Não existem
jornais diários de todo e isto é um problema sério nos EUA onde as coisas,
ainda em circuitos minoritários, um pouco marginais, mas onde estas questões
estão a ser discutidas, e estão a ser discutidas ao ponto de existirem autores
que acham que o apoio ao jornalismo impresso devia ser uma questão de estado,
ou seja, os próprios estados deviam olhar para o jornalismo, mais do que como
um bem de primeira necessidade mas no sentido de que deveriam apoia-lo.
Mas é fundamental que continuem a existir jornais impressos?
Eu acho que sim.
Porque a esmagadora maioria da população ainda não sabe ir à
net. Tendemos a ver o mundo a partir da nossa casa e tendemos também a achar
que quando se diz que daqui a dez anos já não haverá jornais em papel, é
mentira, vai haver, daqui a dez e daqui a 20, porque ainda há sítios no mundo
onde está a aumentar o consumo do papel. O mundo não é todo igual. Nós é que achamos
que todos gostamos do Michael Jackson e da Rihanna e que abanamos o corpo com
as mesmas músicas mas o mundo, felizmente, é mais complexo, felizmente, apesar
de todas as tentativas de homogeneização, o mundo é muito diverso é muito
plural é muito heterogéneo. Há zonas da Ásia, da América do Sul onde o consumo
de jornais em papel ainda está a aumentar. Aliás, vale a pena seguir com
atenção a experiência que o El País vai lançar em S. Paulo, que é um jornal com
a marca El País mas em português, para os falantes de português e é em papel,
ou seja, convém não extrapolarmos do nosso micro-cosmos tudo o resto. Isto para
dizer que há muita gente que não tem a familiaridade com a net que nós achamos
que as pessoas têm, porque os números também enganam: quando se fala do número
de usuários nós estamos a falar das mesmas pessoas que utilizam muitas vezes. Basta
conhecer as pessoas ou ir aos locais onde as pessoas trabalham para percebermos
que ainda não estamos numa sociedade do 2.0 totalmente. Essa imagem é boa para
se vender mas ainda estamos um pouco distantes disso.
Está a querer dizer com isso que o facto de a informação
estar apenas disponível na web, ou nos dispositivos móveis também pode pôr em
causa um direito básico das pessoas que é o direito do acesso à informação, uma
vez que nem toda a gente sabe aceder a estes novos meios?
Vou dar-lhe um exemplo: se sairmos de Coimbra, vamos
imaginar, por exemplo, uma cidade pequena aqui próxima como Águeda, Cantanhede,
mas poderíamos falar em Castelo Branco, em Belmonte, na Covilhã, etc, onde
existe uma população envelhecida e onde os jornais ainda são um elemento de
identificação e agregadores. Ainda há muita gente que sai de casa, sobretudo os
reformados, e vão à biblioteca, ou à casa do povo, ou à coletividade da sua
área e aquilo é, não só, um centro de convívio como é também um centro onde as
pessoas vão ler as notícias, e aquilo serve de pretexto para conversarem. O
jornal ainda é um meio de sociabilização. A sociabilização dessas pessoas não é
feita no Facebook ainda é feita face-to-face. Esquecermos isto é quase uma
atitude ditatorial uma vez que agimos como se essas pessoas não existissem.
Faz-me lembrar um pouco estas medidas governamentais a que estamos a assistir
do encerramento de uma série de serviços só porque se poupa. O que eles estão a
fazer é a matar as pequenas vilas e aldeias deste país, porque há um conjunto
de entidades que são o pulsar dessas aldeias e os jornais em muitas zonas são
efetivamente um elemento agregador, mais, se assim não fosse porque é que
muitos jornais regionais vendem bastante na emigração? Justamente porque esse é
um elemento de identificação de uma determinada comunidade.
Esse modelo de negócio não está inventado ainda. Há muito
poucas experiências que se possam considerar rentáveis e mesmo aquelas que
podem evidenciar alguma rendibilidade ainda
não têm um historial suficiente para que nós possamos pensar que se pode manter.
Mais uma vez voltando ao exemplo dos Estados Unidos: Nos últimos dez anos, nos
órgãos de comunicação – não estou a falar na internet que isso é outra coisa –
a publicidade passou de, números redondos, mil milhões para três mil e duzentos
e tal mil milhões de dólares. Nós vemos que temos uma década de subida da
publicidade de uma forma consistente mas ainda em números muitíssimo baixos,
isto comparativamente com os números da publicidade do papel é uma percentagem
irrisória mas a publicidade do papel está a descer vertiginosamente. Independentemente
de falarmos de dispositivos móveis ou imóveis, para mim a questão fundamental é
que pela primeira vez, ao fim de cento e tal anos, o jornalismo está a
revelar-se um negócio não lucrativo. E esta para mim é que é a questão central
de tudo. Ao longo destes cento e tal anos naturalmente que houve jornais que
foram à falência, mas isso é como qualquer empresa, mas o jornalismo enquanto
negócio prosperava, havia jornais altamente lucrativos e que deram origem a
outros jornais e a outras revistas e que foram crescendo. Pela primeira vez
este negócio está em crise. E está em crise no papel porque a circulação
diminuiu enormemente e a publicidade diminuiu exponencialmente. A capital do
Luisiana perdeu o seu principal diário, de resto um jornal que teve um papel
fundamentalíssimo aquando do furacão Katrina, mas a cidade ao lado aproveitou o
facto desse jornal diário acabar para aumentar a sua expressão. Tem havido uma
transferência da publicidade para a net mas não é para o jornalismo, é para
grandes agregadores, é para o Linkedin é para o Facebook, o Google. Os grandes
agregadores estão a faturar milhões e milhões de dólares mas o jornalismo não
está e este é que para mim é o grande problema. Se se verificar que o jornalismo
não consegue um modelo de negócio rentável o que é que lhe vai acontecer?
O Google de que fala consegue esses milhões à custa da
publicidade que angaria pelos conteúdos informativos que agrega. As pessoas
continuam a interessar-se por informação mas não pelos sites informativos...
Eu sei que as pessoas continuam a interessar-se por
conteúdos informativos, claro que sim. Vê-se, por exemplo, que o número de
visitantes da edição electrónica do Público: é dez ou 20 vezes o numero dos
compradores do papel. O desinteresse das pessoas não desapareceu, o problema
está é no que é que as pessoas pagam para ver isso. Há edições que cobram
assinaturas a preços simbólicos como um euro por mês, cinco euros por ano, números
irrisórios mas a verdade é que isso não é suficiente, se queremos um jornalismo
exigente isso não chega porque eu não quero um jornalismo que me dê só umas
notícias picadas doutros órgãos de comunicação. É fácil ler uma notícia, num
órgão online, sobre o que se passa em Tóquio ou em Jacarta mas se quiser saber
o que se passou hoje em Castelo Branco se calhar não tenho ninguém a dizer-me
isso.
O jornalismo deve ser pago pelos leitores ou pela
publicidade?
O ideal era que ele fosse pago pelos consumidores porque
isso significava que o cidadão tinha consciência do seu papel, coisa que eu
duvido que ele tenha, isto é, eu pago porque acho que isto me faz falta e isto
é um bem de primeira necessidade, da mesma maneira que também pago a água e
pago a eletricidade e pago o pão. Ninguém questiona o pagamento da água ou da eletricidade
todavia achamos que ter notícias bem feitas, com critério, bem investigadas e
exigentes pode ser de borla. Quem é que paga esse trabalho? Quem é que paga a
deslocação da pessoa e as horas e os dias que ele andou a trabalhar? Quem é que
paga isso? A informação tem que ser um bem que tem que ser privilegiado,
dignificado e também tem que começar por quem a faz naturalmente. Eu sei que
isto é difícil, o ser humano é um ser muito egoísta e se puder ter de borla não
paga. Agora eu acho que isso é um principio errado.
Estamos a falar nos cidadãos e são precisamente os cidadãos
que têm cada vez mais acentuado o seu papel interventivo na informação. O que
acha do cidadão jornalista?
Essa fantochada a que chamam jornalistas cidadãos. Como se
pelo simples facto de eu me automedicar fizesse de mim um médico. Se eu tivesse
jeito para o desenho e se fizesse aqui uns rabiscos também era um cidadão
arquiteto e como sei que tenho jeito para a mecânica vou ali fora e digo ao
pessoal que sou um cidadão engenheiro mecânico. Isso é uma vigarice, para não
dizer outra coisa pior. Isso é um conceito que nasceu no jargão empresarial...
Mas foi aproveitado pelo jornalismo...
Não. Foi aproveitado pelas empresas de jornalismo e
aproveitado por algum jornalismo mandrião. O jornalismo também não é uma área
onde só existam pessoas muito bem intencionadas e não exista malandragem, isto
é, pessoas bem formadas e mal formadas, com bom e mau carácter, respeitadoras
dos princípios éticos e por aí fora existem em todos os sectores da vida humana
e da vida profissional. O jornalista é um ser humano com todas as virtudes e
defeitos, como diria o Almada Negreiros (coragem portugueses só vos faltam as
virtudes) as pessoas têm os defeitos, têm as virtudes e tudo isso agora têm é
regras e princípios que têm que respeitar. Se vir uma informação qualquer que
saiba que foi feita pelo cidadão ali do lado posso ler por uma questão de
curiosidade como quem lê o horóscopo e acreditar ou não acreditar, também há
pessoas que acreditam no horóscopo, mas aquilo para mim não é um trabalho
profissional e eu quando olho para o jornalismo vejo-o como um trabalho
profissional porque quem o faz é alguém que está credenciado, está tecnicamente
preparado, tem obrigação de ir buscar os dois lados da questão e mais, se achar
que ela me ofendeu eu posso-lhe por um processo. Esse cidadão como é que
responde? Ele está ali em que circunstância do ponto de vista legal?
Não, acho que o jornalismo até está a utilizar demasiado as
redes sociais o que também é uma consequência das gerações mais novas que estão
nos jornais e que acham que as redes sociais são o mundo delas, é a Ágora, o
pelourinho. Na minha infância, quando se queriam saber as novidades, ia-se ao
pelourinho. Para muitas pessoas as redes sociais são o pelourinho delas como se
o mundo estivesse ali. Como diz o Gay Talese o mundo dessas pessoas é o ecrã do
computador. Acho que é um mundo bastante limitado, diria que um bocado
desinteressante e monótono para o meu gosto.
O jornalismo está com todos estes problemas no seu modelo de
negócio que ainda está por inventar e aquilo que tem acontecido nos últimos
anos é que ao mesmo tempo que as redações cortam os seus orçamentos e que
despedem jornalistas, pede-se aos jornalistas que ficam que façam muito mais.
Como é que vê esta polivalência do jornalista?
[irónico] Vejo com muita admiração, perplexidade e alguma
inveja. Deveriam começar a pôr no curriculum o seu grau de genialidade.
Conseguir-se ser tão bom em tantas plataformas, acho isso um caso bastante raro
porque não vejo isso no The New York Times. O The New York Times não sabe ainda
destas experiências aqui em Portugal. Eles têm que estar mais atentos.
Respondendo agora mais seriamente e tirando a ironia, eu sei
que hoje se pede essa polivalência enorme ao jornalista mas eu que fui
jornalista, e ainda saí a tempo de me exigirem essa polivalência toda, fui um privilegiado
nesse aspeto, mas eu ainda sou do tempo em que começaram a ser feitas as primeiras
experiências na redação em que o jornalista também fazia fotografia “epá leva a
câmara e faz umas fotografias” e eu, que sou muito conservador, se calhar,
dizia-lhes que tinha uma ideia melhor e que era mandarem o fotografo e ela
fazia o texto.
E corria bem?
Como é evidente não. O que eu quero dizer com isto é que
está-se a transformar a fotografia numa arte menor, e não é. O jornalista pode
fazer fotografia e o fotografo não pode escrever o texto? Porque? Precisamente
por causa desse conceito que o primado do texto é uma fotografia. Porque também
sou do tempo em quando era preciso cortar alguma coisa era uma naifada na
fotografia e lá se ia o enquadramento.
Mas acha que o jornalista só pode fazer uma coisa? Ou só é especialista
numa coisa?
Não. Quando eu estava a dizer à pouco que esta questão da morte
do jornalismo enquanto negócio é algo que deve ser discutido e infelizmente não
o vejo, vejo toda a gente a distrair-se disso. Acho até com alguma naturalidade
que o jornalismo enquanto profissão possa acabar por uma questão simples, nos
últimos 40 anos desapareceram várias profissões ligadas aos média. Eu quando
comecei no jornalismo ainda havia a profissão do linotipista, que já não
existe, e outras, houve profissões nos últimos 40 anos que desapareceram e
faziam parte dos média.
Mas isso prejudicou o jornalismo?
Não, foi uma evolução natural, e o jornalista passou a fazer
mais coisas, passou também a paginar, por exemplo. Com a redução e a eliminação
natural de profissões, fruto da evolução da tecnologia, o jornalista passou a
fazer um conjunto de procedimentos que anteriormente estavam divididos por
várias áreas profissionais. A mim não me choca que um jornalista vá para um
sítio qualquer e faça um texto que manda para a sua edição online e depois sai também
no papel. Não tenho o preconceito de que o jornalista tem que olhar para o
acontecimento, fumar 3 cigarros, pensar muito, depois ir ler um livro de
filosofia para depois escrever o texto, não é isso. Admito que ele tem que
estar preparado, e a sua formação também está ligada a isso, para que possa
trabalhar de uma forma mais ampla. Ele até pode ser uma pessoa genial e que
trabalha nas plataformas todas, o problema é que ele não tem tempo. A malta
fala do tempo como se ele de repente tivesse aumentado, não, o dia continua a
ter 24 horas, o dia só tem 24 horas, não vale a pena inventar mais, é das
medidas mais democráticas que existem, é o tempo. Pode escrever os textos, pode
fazer o que quiser mas quando est não está a informar, são
coisas completamente distintas e hoje há muitos teóricos e sobretudo muita
gente ligada às decisões das empresas jornalísticas que querem meter tudo no
mesmo saco. Comunicar é uma coisa, informar é outra, são coisas distintas e é
bom que os jornalistas mais esclarecidos consigam lutar por esta diferenciação. á a fazer tudo o resto não se está a
trabalhar o acontecimento e há acontecimentos que não se compadecem com isso e
eu sei que quando se está a cobrir um determinado acontecimento, se o
jornalista estiver com a preocupação de filmar ou com a preocupação de
fotografar haverá coisas que lhe a passam ao lado, porque não está a observar,
não está a interpretar, só está a captar coisas, está sobretudo a
comunicar
Quando fala nos jornais americanos como o The New York Times
ou o Washinton Post ou nos britânicos como o The Guardian acha que as
experiências do jornalismo polivalente estão a correr mal em Portugal?
Eu não sei se está a correr mal ou bem. As edições
electrónicas em Portugal são ainda muito pobrezinhas. Não temos nenhuma edição online
com reportagens como tem o The New York Times. Aquilo sim, aquilo é aproveitar
a plataforma. Também admito que não tenham capacidade. A questão é esta, e
voltando ao inicio da conversa, o papel está a perder importância, hoje são as
plataformas electrónicas, mas se formos ver a redação principal continua a não
ser a do digital. Não há uma aposta séria no digital.
Também concluímos que não era rentável, talvez por causa
disso...
Então temos que decidir, só temos ali uma coisa para ocupar
espaço? Só para disfarçar? É só para irmos atrás da moda? Temos que estar aqui
que é para não perdermos público? Basta irmos aqui ao lado, a Espanha, para
vermos as infografias animadas que o El País e o La Vanguardia fazem e que cá
ainda não temos nada disso. As coisas são ainda muito embrionárias.
Não podemos falar no futuro do jornalismo sem falarmos nos futuros
jornalistas que neste momento estão a ser formados nas universidades
portuguesas. A primeira licenciatura em jornalismo nasceu aqui em Coimbra, há
20 anos, e são imensos os cursos de jornalismo hoje em dia. Acha que o
jornalismo tem vindo a melhorar com estas novas gerações de jornalistas?
Os jovens jornalistas estão mais bem preparados do que
estavam os da minha geração. Vamos ser claros. Têm possibilidade de chegar a
uma redação com uma equipagem cultural e com uma bagagem técnica muito boa.
Quando eu cheguei a uma redação alguma vez tinha ouvido falar em questões
deontológicas? Nem fazia a mínima ideia do que isso era, aprendi depois. Peço
desculpa mas não consigo discutir as coisas sem bater nesta tecla: falta tempo.
Como é que posso fazer um trabalho em condições se não tenho tempo para pensar
nele? E tempo para pensar nele não é estar dois dias ou três a mastigar a
ideia. Não. É tempo para refletir naquilo, como é que eu vou fazer, se calhar
ir uma segunda vez ao sítio, falar com as pessoas. Não posso ter reportagens em
que um jornalista sai de manhã e à hora de almoço já está a fazer a reportagem.
Ok, posso fazer isso em reportagens pequenas, não quero dizer sem grande
responsabilidade porque todo o trabalho jornalístico é duma enorme
responsabilidade mas naturalmente que há trabalhos de maior e menor folgo e é a
isso que eu me refiro, é preciso ter essa capacidade de reflexão e de poder
trabalhar a fundo uma matéria qualquer. Basta ler os jornais e as revistas ou
ir às publicações online e vermos que isso escasseia. O que não me
surpreenderia muito é que neste entusiasmo todo das novas tecnologias, do
online e desta coisa toda, a prazo, as empresas, daqui a um, dois, três, quatro
anos – esta ideia não é minha, é de um investigador inglês – comecem a tratar
os jornalistas como se trata uma figura qualquer do showbiz: “tu vales e o teu
pagamento é feito em função do número de cliques que a tua peça tiver e se
tiver poucos cliques, for pouco visualizada, ganhas o mínimo”. A ideia de que a
gestão da carreira de um jornalista quase que pode ser feita à semelhança,
porque aqui entra em linha de conta a audiência, de uma estrela pop só que não
estou a vender discos, estou a vender peças jornalísticas. Outro aspeto que não
fez parte da nossa conversa mas que eu deixo à reflexão: é usual falar-se que
as redações estão a diminuir. É verdade. Pergunto é qual é sector da
comunicação onde o número de profissionais tem vindo a aumentar na mesma
proporção? É na área das relações públicas e da comunicação. Voltando ao
exemplo dos EUA, nos anos 60 havia um profissional de relações públicas por
jornalista. Hoje já vai em quatro profissionais de relações publicas por jornalista
e a previsão para daqui a 3, 4 anos é de 6 para um. O que é que isto quer
dizer? Quer dizer que o jornalismo é dominado por outras fontes de informação,
é dominado por outras formas de comunicação e isto é muito mais grave, é muito
mais perigoso do que todos os cidadãos jornalistas que haja para aí a fazer
essas patetices todas, porque quem domina o fluxo informativo já não é o
jornalismo. Chamo a atenção para outra coisa: a Associação dos Correspondentes
Internacionais de Bruxelas, que acompanha as questões da União Europeia, tem dois
comunicados de 2012 onde consideram preocupante o decréscimo brutal do número
de correspondentes acreditados em Bruxelas. Dizem que cada vez mais a
informação é pré-cozinhada e é colocada no órgãos de comunicação. Começa a
haver cada vez menos capacidade de a informação ser feita em primeira instância
por quem deve faze-la. É o peso e o papel das fontes a influenciar o tom e a
agenda informativa. Acho que o futuro do jornalismo pode não ser nos termos em
que nós estamos aqui a discutir porque as grandes marcas internacionais têm
excelentes jornalistas. O Credit Suisse tem um jornal electrónico muitíssimo
bem feito onde não faz publicidade à sua própria marca, não está ali para
vender ações. Eles têm um slogan que eu acho que é dos mais imaginativos: “o
que é que nós podemos oferecer a um público que já tem tudo?” Eles fazem
informação para o seu nicho de mercado mas tudo com critérios jornalísticos, está lá a técnica
toda da reportagem, da notícia, da entrevista e aquilo é feito por gente
profissional só que é um órgão que
pertence a uma marca, pertence ao Credit Suisse, como há órgãos que pertencem a
outras marcas, por exemplo, à Coca Cola. Isto é que vai começar a emergir,
porque o online permite isso. As marcas dizem: “nós já não precisamos dos
jornais para comunicar nada, nós próprios temos a nossa forma de comunicação”.
Essa questão não se coloca para eles nem se vai colocar a
breve prazo...
Mas pode vir a colocar-se quando esse jornalismo deixar de
ser independente...
Não sei, vamos ver. Se as pessoas não querem outro
jornalismo. Se as pessoas começarem a consumir esse tipo de informação. Se as
pessoas acharem que não lhes faz falta uma informação descomprometida, aquilo a
que nós costumamos chamar imparcial. Corremos o risco de daqui a meia dúzia de
anos estarmos a falar de uma profissão que já não existe. Existiu. Como existiu
o amolador.
©Entrevista gravada em 11 de Novembro de 2013