Por Diogo Pereira
diogoatpereira@gmail.com
A ética e a deontologia são os conceitos mais frágeis do futuro do jornalismo e é precisamente sobre eles que Carlos Camponez se tem debruçado. Foi membro do conselho deontológico do Sindicato dos Jornalistas e dissertou, no seu doutoramento, sobre este tema. Hoje ainda tem a carteira profissional no bolso embora a sua atividade principal seja a docência na Universidade de Coimbra. Está otimista quanto aos dias nebulosos que se avizinham porque não imagina o sistema democrático sem o jornalismo. A entrevista a Carlos Camponez foi gravada no Colégio de S. Jerónimo da Universidade de Coimbra, no interior do estúdio onde se lecionam as cadeiras práticas de jornalismo televisivo.
É mais importante dar melhor ou dar primeiro?
O objetivo principal do
jornalista é dar melhor, dar com verdade, dar com rigor. Não podemos esquecer
que estamos num mundo em que a informação flui, temos tecnologias que nos
permitem dar informação com mais rapidez mas penso que um jornalismo que
sacrifica a verdade e o rigor à rapidez é um jornalismo que acaba por se descredibilizar e um
jornalismo que se descredibiliza é um jornalismo sem futuro.
Acha que estamos a caminhar para a descredibilização
do jornalismo uma vez que nos últimos tempos a aposta tem sido no dar mais
rápido?
Quando analisamos as questões
do jornalismo devemos analisa-las numa visão global e, de facto, nós podemos
dizer que estamos a entrar numa tendência de grande corria à informação, ser o
primeiro a dar. Começa a haver uma consciência crescente por parte das redações
que a rapidez por si só não é factor de diferenciação da informação e,
portanto, eu acho que este processo de grande busca da rapidez e a grande
aposta nas tecnologias vai acabar por chegar a um momento em que as pessoas vão
repensar as suas metodologias de recolha e distribuição da informação. Tenho
esperança que assim seja e acho que é por aí que passa o futuro do jornalismo.
Acontece que atualmente a rentabilidade do jornalismo
está em causa. O jornalismo está a começar a deixar de ser um negócio rentável.
A imprensa sempre foi um
negócio difícil. Houve momentos em que parecia muito mais apetecível do que é
hoje mas este processo também está relacionado com o caso que acabamos de
analisar, não propriamente com a rapidez mas com o facto de as novas
tecnologias terem alterado completamente os modelos de negócio pré-existentes e
isso causou uma crise na própria rentabilidade da informação. As novas
tecnologias estão associadas à rapidez mas também à ideia de gratuidade da
informação. Não podemos ver isto de uma forma negativa, é importante que todas
as pessoas tenham acesso à informação, mas não podemos deixar de pensar as
consequências que isso tem nas práticas do jornalismo. Ter pessoas que
trabalham a informação, que vão aos locais para reportar acontecimentos
importantes, que refletem sobre os acontecimentos e que lhe dão profundidade implica
tempo e dinheiro. Isto não pode ser feito gratuitamente. A crise, no modelo de
negócios que as novas tecnologias acabaram por introduzir nos media, será também
um dos factores que levará os próprios média e os jornalistas a começarem a
repensar os seus modelos de realização do jornalismo. Não estou a dizer que a
rapidez vai estar em causa, de forma nenhuma, haverá sempre espaço para a
rapidez assim como para a gratuidade. Não podemos esquecer é a outra dimensão
da informação uma vez que está também em causa a profundidade e sobretudo a
possibilidade de prestar um serviço de qualidade ao público.
A crise está em Portugal e tem sido visível em todos
os sectores, o jornalismo não é exceção. Ao mesmo tempo que se cortam salários
aumentam-se as exigências ao jornalistas que estão cada vez mais polivalentes...
A maior produção de
conteúdos deriva de um aspeto que está relacionado com a maior quantidade de pessoas
que participam na produção da informação, de uma forma gratuita, de uma forma
não profissional. Não podemos confundir a maior quantidade de informação
disponível com a maior quantidade de informação disponível e feita por
profissionais da informação. Por outro lado, muita da informação a que temos
acesso através das novas tecnologias é na prática a mesma informação trabalhada
por diferentes média, ou seja, cria uma ilusão de uma quantidade que por vezes
não existe. Existe uma quantidade mas não é uma quantidade diversa, plural,
diferente, portanto isso é um aspeto que nós devemos ver com algum cuidado.
Relativamente à questão que referiu do jornalista faz tudo, esse é um dos aspetos
críticos da profissão. Curiosamente, na minha profissão tive a experiência de
fazer a cobertura de conferências de imprensa em que simultaneamente tirava
fotografias e fazia a cobertura e qualquer pessoa que tem essa experiência
percebe o que está a perder tanto do ponto de vista do trabalho fotográfico
como do ponto de vista do seguimento da conferência de imprensa. Ao nível do
tratamento da informação em geral isto pode ser uma nova forma de organização
do trabalho dentro das redações mas não podemos esquecer que isso tem
implicações.
Não é, portanto, desejável o jornalista polivalente?
É desejável do ponto de
vista do jornalista que sabe lidar com as diferentes tecnologias para o
tratamento da informação, agora o jornalista que recolhe imagem, que tira fotografias,
que recolhe vídeo, etc. acaba também por prejudicar o seu próprio trabalho de
distanciamento relativamente à informação, de crítica relativamente à informação,
de profundidade relativamente à informação. Este é um caso que expressa bem
aquilo que nós estávamos a falar relativamente à quantidade da informação. Um
jornalista que faz uma peça escrita, faz um audiovisual, faz um som, mas está a
fazer mais do mesmo, ou seja, está a fazer três, quatro peças mas está a fazer
uma única informação e assim cria esse efeito de ilusão sobre a quantidade de
informação.
Já abordou aí uma outra questão que eu queria colocar
e que se prende com a questão do jornalista cidadão. Os cidadãos sempre
participaram no jornalismo mas agora têm mecanismos mais fortes e os próprios
jornais incentivam a que isso aconteça. Vemos jornalistas nas redes sociais a
pedirem informações diretamente aos seus seguidores, por exemplo. Como é que vê
está questão? Não é um descartar do papel do jornalista?
Não! Eu sou muito critico
relativamente a esta questão mas quero sublinhar que isto nada tem a ver com um
preconceito com a participação dos cidadãos na informação, de maneira nenhuma. Obviamente
que um cidadão que dá uma informação, que divulga, que contacta com jornalistas
não tem as exigências profissionais que eu penso que um jornalista deve ter. É
um pouco nesse sentido que costumo dizer que no dia em que só tivermos o
jornalista cidadão, na prática, acabamos por deixar de ter o jornalismo. Costumo
dar como paralelismo o caso dos médicos, no sentido em que no dia em que todos
formos médicos a profissão da medicina deixa de fazer sentido. A ideia de
participação do público na informação é um aspeto muito importante e até diria
que é um aspeto essencial da própria democracia. A informação deve estar junto
do público e o público deve interessar-se por divulgar informação relevante
para o público que conhece e para as pessoas que participam na sociedade mas
isso não pode, de alguma forma, limitar o espaço próprio que o jornalismo tem.
Os jornalistas vivem das fontes, os cidadãos são fontes, são boas fontes mas
isso não significa o fim do jornalismo.
Sempre achei essa questão
irrelevante. Era como falarmos do fim do pergaminho. Estamos a falar de
questões técnicas, de suportes, que evoluem com a sociedade. Obviamente que eu
posso sempre dizer “eu gosto muito do papel, não há nada como ler um livro em
papel sentir o cheiro do papel”. Esses conteúdos em papel não vão terminar
amanhã, porque existe uma sociedade, um público que ainda está muito ligado a
esse suporte, vejo os meus filhos a trabalharem mais em suportes digitais do
que em papel. Pessoalmente, tenho dificuldade em analisar documentos com algum
rigor em suporte digital, preciso de os ter em papel, os meus filhos não,
portanto essa questão não é problemática. Não é o facto de o jornalismo ser em
papel ou digital que faz a sua especificidade ou que marca a sua função para a
sociedade, os suportes evoluíram sempre,
hoje falamos no digital amanhã, nem sabemos daquilo que podemos estar a falar. O
que é relevante é saber qual é o papel do jornalismo nas sociedades
contemporâneas e nos regimes políticos que temos, nomeadamente no modelo de
democracia.
Há quem defenda que os órgãos de comunicação social
devem sair do online e concentrar-se no papel. Acha esta ideia plausível?
O que está em causa é o
modelo de se fazer informação, ter que repensar o papel da informação tal como
ela se faz hoje, não é uma posição muito radical, conheço posições de finais
dos anos 90 que já sustentavam que os meios impressos deveriam deixar de ser
diários e passarem a ser semanários no sentido de criarem um espaço para um
jornalismo mais reflexivo com mais prespetivas, diferentes daquela que é
apresentada no jornalismo de velocidade, no jornalismo instantâneo.
O Google ultrapassou as receitas publicitárias dos
jornais e revistas norte americanos, pela primeira vez em 2012, isto significa
que a publicidade que está a fugir para a internet não est á a fugir para os sites informativos. Como é que vê
esta questão dos agregadores que têm todos os lucros sem produzirem as
informações?
Este é um dos pontos da
crise da gratuidade da informação. Para os agregadores é muito fácil juntar a
informação prometendo aos produtores de conteúdos que através desse processo
eles terão mais visitantes e, por consequência, mais publicidade. Esse modelo praticamente
toda a gente já percebeu que não funciona e isso já está a fazer com que alguns
média recusem que os seus conteúdos estejam disponíveis nomeadamente através
desses agregadores que terão que passar a pagar pelos conteúdos. Voltamos à
mesma questão: se nós queremos ter informação de qualidade temos que pagar por
ela, de alguma forma. Não podemos esquecer um outro aspeto relativamente à
própria publicidade, os meios que estão interessados em publicitar os seus
eventos, os seus acontecimentos, os seus produtos, têm também na internet uma
forma direta de contactar com os próprios leitores, portanto a publicidade não
foge apenas por causa dos agregadores, foge também por outras formas
alternativas de contactar com o público que não passa pela forma mediada dos
meios de comunicação social. Mais um fator que obriga o jornalismo a repensar o
seu modelo de negócio.
Não podemos falar do futuro de jornalismo sem falar nos
futuros jornalistas. É professor de Jornalismo aqui na Universidade de Coimbra,
como é que vê o mercado de trabalho feito por estas pessoas que ajuda a formar?
O mercado de trabalho não é
minimamente atraente neste momento, este é um problema que resulta também da
própria concentração dos meios de comunicação social e de tudo o que falámos anteriormente
nomeadamente na questão do modelo de negócio. Parece-me, no entanto, que até
este momento temos pensado o jornalismo, ou seja, o mercado de trabalho na área
do jornalismo de uma forma muito restrita. Quando acabamos o curso estamos à
espera que um meio de comunicação social nos empregue e tenho refletido muito
sobre isso, aliás estou a tomar algumas iniciativas nesse sentido, que têm a
ver com a preocupação de se começarem a criar modelos de negócio diferentes,
relacionados com formas de cooperação entre profissionais, enfim, outros
modelos de negócio que possam fazer com que os futuros jornalistas e os jornalistas
de uma forma em geral – porque isso não
se aplica apenas aos que acabam a formação – consigam pensar modelos de
trabalho que não estejam dependentes dos grandes meios de comunicação social e
acho que isso é importante não só para fazer respirar a imprensa mas também
para criar pluralidade e diversidade junto do publico. Na imprensa regional
ainda existe espaço que é preciso explorar, há zonas do país que estão a ficar
descobertas sob o ponto de vista da cobertura jornalística, são zonas do país
com pouco mercado em termos de número mas onde há nichos que ainda é possível
explorar e, sobretudo, há formas de relacionamento entre a empresa jornalística
e o público que não me parece que sejam tidas em conta pelos grandes meios de
comunicação social. Existem boas alternativas para se pensar este modelo e isso
dá-me alguma esperança.
Está a fazer a pergunta à
pessoa errada. Vou dizer isto de uma forma irónica porque os velhos
jornalistas, e eu já me considero um velho jornalista, dizem sempre mal dos
novos. Está na tradição, comigo foi a mesma coisa. O que há é, de facto,
mudanças de cultura, a sociedade muda, não podemos pensar que só o jornalista é
que não muda. Muitas vezes mitifica-se o jornalista do inicio do século, mas
não sei o que seria um jornalista do inicio do século nos dias de hoje, se
seria possível, se seria enquadrável, inclusivamente se ele teria público. Vejo
estas coisas com alguma desdramatização. O que me parece absolutamente
essencial é que os jornalistas de hoje criem uma cultura de jornalistas que se
empenhem na profissão e que assumam, eles próprios, a construção de uma
profissão que é deles e que será também a do futuro. A profissão é muito
daquilo que os profissionais fazem dela. A minha geração descuidou-se muito e
isso reflete-se em Portugal na forma como hoje se exerce o jornalismo.
Acredita no jornalismo do futuro ou é daqueles que já
o enterraram?
Acredito no jornalismo
porque acredito na democracia. Quando escolhi esta profissão tinha muito a
consciência dessa componente cívica. Já não sou capaz de dizer o que é que eu
pensava da democracia nessa altura mas sempre senti o jornalismo como uma
profissão ao serviço dos outros, ao serviço do público só faz sentido em
democracia e como acredito nestes valores acredito também no futuro do
jornalismo. Acho que o jornalismo não está enterrado e no dia em que estiver
enterrado terei dúvidas sobre o mundo em que vivemos.
©Entrevista gravada em 4 de Dezembro de 2013